Rotary International

Responder a uma ‘recessão da amizade’

Membros do Rotary encontram formas de criar novos laços

Por Kate Silver

Quando Phil Clarke estava no início dos seus 70 anos, estabeleceu um objetivo: fazer novos amigos. Aconteceu em 2021, e Phil sentiu que se afastara dos dias em que podia virar-se para a secretária ao lado, no trabalho ou na escola, e encontrar uma conversa e camaradagem. O escritor e romancista aprecia um pouco de solidão para o seu trabalho criativo, mas é também extrovertido quando quer. Afinal, cresceu com 10 irmãos mais novos. No entanto, como muitas pessoas da sua idade, estava frustrado.

Escreveu sobre este dilema na secção comunitária da edição online do jornal The Denver Post, e na qual falou sobre uma realidade desconfortável da idade adulta avançada: os amigos íntimos afastam-se ou até morrem, e substituí-los parece assustador. Phil refletiu, a brincar, que reverter essa tendência teria o benefício adicional de aumentar a participação no seu funeral, e então partiu numa missão para encontrar amigos.

Procurou por estudos acerca da importância das redes sociais, ponderou onde poderia encontrar um grupo de possíveis amigos, e decidiu quais seriam os critérios ideais: um grupo que se reunisse regularmente, acolhesse pessoas de todos os contextos e interesses, estimulasse a sua mente e inspirasse ação. Depois, encontrou um local que satisfazia todos esses critérios: o Rotary Club de Highlands Ranch, nos arredores de Denver, nos Estados Unidos.

Desde que se juntou ao Rotary, Phil Clarke, de óculos e com um sorriso um pouco desajeitado, trabalhou com outros membros na angariação de 500 mil dólares para financiar uma bolsa de estudo para a saúde mental pediátrica num sistema hospitalar do Colorado; lançou um clube de cinema que organiza exibições numa biblioteca; formou um duo musical — chamado The Elderly Brothers — que atua em lares de idosos e outros locais; e nos almoços semanais do Rotary, sente um verdadeiro sentido de comunidade. “Estou a dar passos graduais para realmente conhecer as pessoas a um nível mais profundo”, diz. “Esse foi o meu objetivo desde o início, e acho que está a correr bastante bem.”

Phil Clarke, que se juntou ao Rotary numa busca por amizade, lançou um clube de cinema que organiza exibições numa biblioteca. “Estou a dar passos graduais para realmente conhecer as pessoas a um nível mais profundo”, diz. “Esse foi o meu objetivo desde o início. E acho que está a correr bastante bem.” Crédito das imagens: Rebecca Stumpf

Os estudos mostram quão importante é a amizade para a saúde mental e física de uma pessoa; pode até ajudar a viver mais anos. Os investigadores encontraram evidências que sugerem que os amigos podem ter uma influência superior à da família no nosso bem-estar na idade adulta. E ainda assim, em sociedades por todo o mundo, as coisas parecem estar a mover-se no sentido oposto. No que tem sido apelidado de “recessão da amizade”, o número de amigos íntimos que os adultos têm nos EUA diminuiu nas últimas décadas, afetando alguns grupos — como os homens — mais do que outros. A pandemia agravou ainda mais o nosso isolamento social.

Reverter uma recessão de amizade com o Rotary

Do lado positivo, os cientistas que estudam este fenómeno dizem que, com algum esforço, os indivíduos podem transformar a recessão da amizade numa explosão da amizade. E, para muitas pessoas, o Rotary é exatamente o que um terapeuta recomenda.

Kris Cameron, após quase 30 anos como professora e líder sindical, estava a aproximar-se da reforma, e sentia-se preparada, mas sabia que precisava de um plano. “Não queria ser uma daquelas reformadas que ficam por aí a torcer os polegares e perdem o seu grupo social”, diz. Muito como Phil Clarke, juntou-se a um Rotary Club (Wenatchee Confluence no estado de Washington) na esperança de conhecer novas pessoas e participar em projetos para beneficiar a sua comunidade.

Cindy Volyn procurava uma forma de se envolver mais em projetos de serviço comunitário. Decidiu participar numa reunião do Rotary na esperança de criar laços com quem partilhasse ideias semelhantes. Nas reuniões, conheceu Kris, e rapidamente vieram a perceber que partilhavam uma paixão bastante incomum: um amor por galinhas de quintal. Kris tem quatro e Cindy tem onze. Ambas consideram as aves como animais de estimação, até membros da família. “São como os nossos filhos ou netos”, diz Kris. “Foi tão bom conhecer alguém que tinha o mesmo amor e respeito pelas suas aves como nós.”

Cindy Volyn e Kris Cameron tornaram-se amigas no Rotary e criaram laços graças ao amor comum por criar galinhas de quintal. Crédito da imagem: Jovelle Tamayo

Não demorou muito para perceberem que tinham outros interesses em comum, incluindo o ambiente: Cindy trabalha como gestora de programas ambientais no Departamento de Transportes do Estado de Washington, e Kris é a presidente da Comissão de Ambiente do clube. Cindy decidiu juntar-se ao Rotary e lançou-se em diferentes atividades, estando a trabalhar lado a lado com Kris no Grupo Rotary em Ação para a Sustentabilidade Ambiental, e na sua força-tarefa para dietas ricas em vegetais. Juntas, participaram em limpezas de estradas e plantações de jardins polinizadores, organizaram exibições de filmes com temas ambientais e coordenaram almoços mensais à base de plantas.

Mas os seus laços vão além das atividades do Rotary: tornaram-se melhores amigas. É um estatuto que nenhuma esperava encontrar e que ambas prezam. “Sou um pouco solitária”, diz Kris. “Não tenho muitas amigas íntimas. Então encontrar uma boa amiga como a Cindy, com quem realmente gosto de conversar e sinto muita afinidade, tem sido um verdadeiro presente.” Cindy rapidamente retribui o carinho. “Sinto que estou sempre ligeiramente reservada com as pessoas. Mas nunca sou assim com a Kris”, diz. “E foi assim imediatamente.”

As duas estão constantemente a enviar mensagens de texto e e-mails, atualizam-se sobre si mesmas e as suas famílias e, claro, sobre as suas aves de quintal. Recentemente, Kris teve uma obrigação longe de casa e não pôde manter o seu habitual ritual noturno com as galinhas, então soube exatamente a quem ligar. “A Cindy veio e pô-las na cama”, diz.

Amizades como a de Cindy Volyn e Kris Cameron são especiais. E, infelizmente, estão a tornar-se menos comuns. Em 1990, 33 por cento dos americanos entrevistados pela Gallup relataram ter 10 ou mais amigos íntimos, e apenas 3 por cento disseram não ter nenhum. Compare isso com 2021, quando o número de pessoas com 10 ou mais amigos íntimos caiu para 13 por cento e aqueles sem nenhum subiu para 12 por cento, de acordo com um inquérito do Survey Center on American Life.

Mesmo antes da pandemia, o Cirurgião Geral dos EUA, Vivek Murthy, declarou que o mundo estava a sofrer de uma “epidemia de solidão”. (Leia uma entrevista com Vivek Murthy sobre o tema na edição de agosto de 2020 desta revista, em Inglês) Uma nota emitida em 2023 pelo seu gabinete apontava várias tendências nos Estados Unidos: redes sociais e participação social em declínio, uma diminuição no tamanho das famílias e taxas de casamento, menos participação em grupos comunitários (como grupos religiosos, clubes e sindicatos) e tecnologias que substituem as interações presenciais.

O relatório também destaca os impactos mentais e físicos da solidão, que está associada a um aumento do risco de doenças cardíacas, derrames, ansiedade, depressão, demência e morte prematura.

A verdade sobre a solidão

Embora a solidão tenha aumentado, certamente não é algo novo. Na verdade, é uma emoção própria da nossa biologia adequada para a sobrevivência, diz Megan Bruneau, terapeuta e coach executiva em Nashville, Tennessee. Megan diz que a solidão nos faz sentir desconfortáveis, e isso serve para motivar-nos a procurar outros humanos e obter alívio. “Não seríamos capazes de procriar, obviamente, se estivéssemos completamente sozinhos”, explica. “E também não seríamos capazes de participar na caça, ou afastar grupos de animais selvagens, ou mantermo-nos aquecidos à noite.”

Nos tempos modernos, no entanto, encontrar um remédio para a solidão requer mais do que simplesmente optar por entrar no grupo mais próximo. Muitas vezes, as pessoas que se sentem solitárias também se sentem envergonhadas, como se tivessem feito algo errado para se sentirem assim, diz Megan Bruneau, autora de How To Be Alone (and Together): 72 Lessons on Being at Peace With Yourself. “Especialmente na era do Instagram, quando olhamos à volta e parece que toda a gente tem um ótimo grupo e está sempre a socializar, exceto nós”, salienta.

Quando Megan Bruneau fala com pacientes que se sentem solitários, valida as suas emoções e enfatiza o quão comum é essa emoção. Depois, trabalha para entender o que está a impedir aquela pessoa de criar laços com os outros. Para algumas pessoas, pode estar relacionado com traumas passados que as levam a fecharem-se e a evitarem intimidade ou proximidade. Para outras, pode ser circunstancial, e apenas precisam de um pouco de motivação para mais esforços sociais. Para estas últimas, recomenda que se coloquem em situações onde as pessoas têm interesses em comum e interajam consistentemente, uma abordagem conhecida como prescrição social.

“Inscrevam-se numa aula de culinária ou arte de oito semanas”, aconselha. “Juntem-se a um clube de leitura ou equipa. Sejam voluntários. Levem um presente ao vosso vizinho e vejam se ele estaria disponível para uma caminhada ou café. Juntem-se a [uma aplicação como] Bumble BFF e façam ‘encontros de amizade’.”

Afinal, a amizade é a segunda razão mais comum pela qual as pessoas se juntam aos clubes Rotary, de acordo com um inquérito aos membros no ano de 2022 (o serviço comunitário é a número um). Para os membros com 60 anos ou mais, a amizade é a principal razão pela qual permanecem. Numa sequência da sua publicação no blog da comunidade, Phil Clarke sugere que os leitores também considerem juntar-se ao Rotary. Com um toque de humor, escreve: “A minha sensação é que isso não apenas aumentará a presença no vosso funeral, mas também que a vossa vida será melhorada ao servir os outros de formas que, atualmente, só podem imaginar vagamente.”

Os barracões permitem que os homens conversem, trabalhem e aprendam com outros homens automotivados. — Ron Bowden, Rotary Club de Toowoomba East, Austrália. Crédito da imagem: Monika Lozinska

A solidão não é apenas um fenómeno americano. Há alguns anos, o Reino Unido lançou a sua primeira estratégia governamental para a solidão, tendo encorajado os médicos a passarem “prescrições” para os pacientes participarem em atividades sociais; em todo o país, estão a surgir “bancos de conversa” de forma a encorajar estranhos a falarem entre si. Na Austrália, o “movimento dos barracões masculinos” tem crescido desde os anos 1990, com mais de 1200 barracões cheios de ferramentas a servirem como centros comunitários onde os homens podem trabalhar lado a lado e criar laços num ambiente de baixo risco (alguns barracões também estão abertos às mulheres).

Para Ron Bowden, membro do Rotary Club de Toowoomba East, na Austrália, um barracão foi o seu apoio comunitário após a perda da esposa, que morreu de um cancro cerebral. Nesse barracão, podia dedicar-se a projetos e reparações, ou simplesmente mexericar enquanto processava o seu luto ao lado de outros amantes de trabalhos manuais. “Substituiu o barracão do quintal onde, quando era criança, aprendi a usar as ferramentas do meu pai”, diz Ron, que ajudou a criar dois barracões masculinos na esperança de ajudar os outros. “Os barracões permitem que os homens conversem, trabalhem e aprendam com outros homens motivados”, diz. Nos últimos anos, o movimento expandiu-se para além da Austrália, e agora há cerca de três mil barracões em todo o mundo, incluindo na Nova Zelândia, Irlanda, Reino Unido, Quénia, África do Sul, Canadá e Estados Unidos.

Embora a solidão não conheça género, os homens muitas vezes vivem-na de forma diferente das mulheres, e os estudos mostram que eles estão a enfrentar ainda mais dificuldades à medida que envelhecem. O Survey Center on American Life descobriu que os homens tendem a ter menos amigos íntimos do que as mulheres, e entre 1990 e 2021, os homens que relataram não ter amigos íntimos cresceram de 3 por cento para 15 por cento.

Megan Bruneau diz que tal pode ser porque os homens tendem a ter mais dificuldades em sentir-se ligados do que as mulheres. “Para realmente criarmos laços, precisamos ser vulneráveis”, explica. “Os homens têm dificuldades com a vulnerabilidade porque a nossa sociedade lhes diz para serem fortes e independentes, não ‘necessitados’ ou ‘emocionais’, e, portanto, sentem vergonha ao exibirem os comportamentos necessários para o tipo de laço que alivia a solidão.” Além disso, acrescenta, há simplesmente menos oportunidades de conhecer pessoas à medida que envelhecemos e deixamos para trás as nossas rotinas regulares, como escola, desportos de equipa e trabalho.

Preencher um vazio e fazer a diferença

Para David Cochran, o Rotary Club de Alpharetta, Geórgia, Estados Unidos, ajudou a preencher um vazio após uma carreira em cargos de liderança em empresas globais. Em 2017, David estava num ponto de inflexão ao aproximar-se da idade da reforma. Participou num simpósio realizado em conjunto com a Convenção Internacional do Rotary, em Atlanta, Estados Unidos, onde o empresário rotário Jim Marggraff fez um discurso sobre o uso da tecnologia para resolver problemas e criar novos laços para o bem social. David Cochran apresentou-se, e isso deu início a uma amizade, bem como a uma parceria. Após assistir à exibição de um filme de realidade virtual da convenção que Jim Marggraff ajudou a desenvolver, David foi inspirado a juntar-se ao Rotary. Juntamente com outros membros do Rotary, lançou uma organização sem fins lucrativos chamada Global Impact Group, para trazer efeitos positivos sociais e humanitários com o uso da tecnologia.

Através deste trabalho, David está a encontrar a realização pessoal de formas que nunca esperou. E aprendeu que a satisfação não vem apenas do resultado. “Nem tudo precisa de ser trabalho”, diz. “[A satisfação] é encontrar esses momentos cruciais nos quais desfrutarmos uns dos outros, e se abrem diferentes possibilidades.”

Quando Tom Gump se juntou ao Rotary Club de Edina/Morningside, Minnesota, Estados Unidos, em 2013, também queria fazer amigos. O que encontrou — no meio de uma tragédia que afetou a sua família — foi algo ainda mais profundo.

Tom Gump com o seu filho, Andrew (à direita), e o estudante de Intercâmbio de Jovens do Rotary Paco Tebar Gomez. Gump encontrou no Rotary conexões muito mais profundas do que imaginava. Cortesia de Tom Gump

Tom e a sua família acolheram na sua casa, em 2017-18, um estudante de Intercâmbio de Jovens do Rotary de Espanha, Paco Tebar Gomez. Durante a sua estada, o pai de Paco suicidou-se, e a igreja da família, em Espanha, não realizou um serviço fúnebre. Tom e a sua esposa, Catherine, agora membro do Rotary Club de Edina, providenciaram o voo da mãe e dos dois irmãos de Paco para o Minnesota, para que a família pudesse cumprir o luto em conjunto.

Quando os Gumps pediram ajuda, os seus amigos do Rotary responderam. Um deles tinha perdido o próprio pai por suicídio e apareceu para apoiar Paco e ouví-lo. Outro levou o seu cão para passar tempo com o adolescente em luto. E, juntos, os rotários ajudaram a planear um funeral sentido para o pai de Paco.

A homenagen foi realizada na igreja da família Gump numa noite muito chuvosa. Quase 300 rotários entraram, e sorriam para vídeos que mostravam o pai de Paco — um malabarista — a lançar bolas ao ar. Os olhos encheram-se de lágrimas à medida que as histórias sobre um homem, que, para a maioria dos presentes, era um desconhecido, se desenrolavam.

Tom Gump olhou em volta, maravilhado. Juntou-se ao Rotary para fazer amigos, mas o amor e o apoio que sentiu naquele momento estavam além de tudo o que poderia ter imaginado. “Foi então que percebi que o Rotary é mais do que um clube”, diz, “é uma família.”

Este artigo foi publicado originalmente na edição de agosto de 2024 da revista Rotary.

Traduzido de Responding to a ‘friendship recession’, Rotary International